Tribunais negam baixas de algumas execuções fiscais, mesmo após decisão do STF que determinou a extinção de execuções fiscais de “baixo valor”
Até novembro de 2024, o Judiciário conseguiu encerrar 7 milhões de execuções fiscais, consideradas de baixo valor, por corresponderem a débitos de até 10 mil reais, estarem paradas há mais de um ano, e por não terem sido localizados bens penhoráveis, citado ou não o executado. Essa iniciativa foi liderada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O ministro estabeleceu como meta extinguir pelo menos 10 milhões dessas ações, considerando-as um dos principais fatores para o congestionamento do sistema judiciário ao longo dos anos.
Pela primeira vez, a taxa de congestionamento caiu para 75,02%, um marco histórico por estar abaixo de 80%. Em comparação, em janeiro, essa taxa era de 87,32%. As ações de execução representam quase um terço de todas as milhões de demandas em tramitação no Brasil.
De acordo com uma nota técnica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as execuções fiscais conseguem recuperar, em média, apenas 2% do crédito público, enquanto os protestos (registros em cartório) alcançam até 20%. Essa discrepância tem levado a União, os estados e os municípios a reavaliarem suas estratégias de cobrança.
Em 2023, no julgamento do RE 1355208 (Tema 1184), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por maioria, que não vale a pena cobrar determinados créditos devido aos custos envolvidos para a administração pública, estimados em cerca de 10 mil reais por processo. Nesse sentido, entenderam que sobrecarregar o Judiciário com tais ações não é eficiente, recomendando o uso de medidas extrajudiciais, como protestos e câmaras de conciliação, para esse tipo de cobrança.
Como o STF se referiu genericamente às execuções fiscais de “baixo valor” sem especificar critérios, o CNJ publicou a Resolução nº 547/2024 para regulamentar o tema, definindo parâmetros mais objetivos. A resolução autoriza os juízes a extinguir ações de execução fiscal de até 10 mil reais que estejam paradas há mais de um ano, sem citação do devedor ou identificação de bens penhoráveis.
A resolução do CNJ não estabeleceu um piso uniforme para as execuções fiscais, uma vez que esse valor varia conforme o município ou estado. Por exemplo, em Crato, no Ceará, o limite é de 250 reais; em Salvador, na Bahia, é de 2,5 mil reais; e em Goiás, valores iguais ou inferiores a 500 mil reais deixarão de ser judicializados. A expectativa é que mais tribunais adotem essa política, especialmente com a recomendação da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).
Segundo a auxiliar da presidência do CNJ, as ações de cobrança devem ser ajuizadas somente após o esgotamento de todas as outras alternativas, evitando a simples transferência de responsabilidade para o Judiciário.
A juíza Paula Navarro, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que já conseguiu extinguir 4 milhões de processos, ressaltou que o objetivo central é que as Fazendas públicas priorizem outros métodos de cobrança, recorrendo ao Judiciário apenas quando estritamente necessário.
Em contrapartida, alguns municípios têm oposto resistência à implementação dessa política de extinção. Eles questionam a anulação em massa desses processos e dos recursos, além de estarem recusando o arquivamento de determinados casos.
Ricardo Almeida, que é Procurador do Município do Rio de Janeiro, posiciona-se contra essas extinções generalizadas, argumentando que poderiam configurar renúncia de receita e improbidade administrativa. Ele também ressaltou que os protestos fiscais não seriam tão eficazes quanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem defendido. Além disso, afirmou que a aplicação da tese do Supremo Tribunal Federal (STF) e da resolução do CNJ varia entre os juízes, gerando desordem e insegurança jurídica.
Por outro lado, defendendo a política de extinção, a juíza Keity Saboya destacou que é natural existirem divergências entre magistrados e tribunais, e que as partes prejudicadas têm o direito de recorrer.
Os tribunais de justiça dos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná e Pernambuco têm concordado com os argumentos apresentados pelas prefeituras e considerado o programa ilegal. Segundo esses tribunais, o teto de R$ 10 mil deveria ser ajustado às particularidades de cada localidade, onde o valor mínimo de cobrança pode ser inferior. Entretanto, contrário ao firmado pela juíza Keity, os recursos dos municípios que têm chegado ao STJ e STF, não estão sendo conhecidos, com seus não acolhimentos fundamentados pelo Tema 1184 bem como a resolução n° 547 do CNJ.
Já o TJSP, que vem negando diretamente os recursos dos municípios, também fundamenta suas decisões denegatórias no Tema 1184 e na resolução do CNJ, pois entendem que elas “consolidaram o entendimento quanto à falta de economicidade e eficiência de execuções fiscais de valor ínfimo, ante o custo do processo e o benefício alcançado com a sua manutenção”.