Medicina corporativa, saúde e segurança do trabalho e deveres do empregador

Ana Sobral – Advogada do Urbano Vitalino Advogados

A medicina corporativa compreende as ações implementadas por uma empresa, visando promover e manter a saúde física e mental dos seus colaboradores.

Tais ações envolvem criação de programas, disponibilização de profissionais de saúde para atender aos trabalhadores, instalação de ambulatórios/enfermarias, constituição de CIPA, implementação de SESMT, dentre outras.

A CLT, em seu artigo 162 dispõe que “As empresas, de acordo com normas a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, estarão obrigadas a manter serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho”.

Com base nesse dispositivo legal, verifica-se que todas as empresas que empregam trabalhadores regidos pela CLT devem implementar medidas de medicina e segurança do trabalho, não importando o seu porte.

Por força do disposto no mencionado artigo 162, várias normas regulamentadoras foram editadas ao longo do tempo.

De acordo com a NR-4, órgãos públicos da administração dos poderes judiciário e legislativo que tenham empregados regidos pela CLT precisam manter um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).

Destaque-se que a mencionada norma não se aplica somente a empresas que possuem empregados regidos pela CLT pois, por força do seu item 4.2.2, aplica-se também a outras relações jurídicas de trabalho.

NR-4 traz os parâmetros e os requisitos para constituição e manutenção dos Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT, com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador.

Pelos termos da referida norma, toda empresa com um quadro funcional superior a 50 trabalhadores precisa manter um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).

O dimensionamento para os técnicos de segurança do trabalho e auxiliares/técnicos de enfermagem do trabalho deve ser feito de acordo com o anexo II da NR-4. Tomando como exemplo uma empresa enquadrada no grau de risco 1, verifica-se a necessidade de haver profissionais de saúde e de segurança do trabalho disponíveis, conforme a dimensão da empresa e o número de trabalhadores.

Ainda a título de exemplo, consideremos uma empresa que esteja enquadrada no grau de risco 1 e que conte com número de trabalhadores entre 1.001 e 2.000 no estabelecimento:

Nesse exemplo, é obrigatória a presença de um Técnico de Segurança do Trabalho e de um Médico do Trabalho, sendo que nesse caso, o médico pode atuar em tempo parcial (mínimo de 3 horas).

Por outro lado, mesmo para as empresas em relação às quais não seria necessária a disponibilização de tais profissionais, deverá haver pelo menos um kit de primeiros socorros. A NR-7 deixa claro que a empresa tem a obrigação de manter um kit de primeiros socorros em suas dependências, devendo conter itens destinados aos primeiros socorros e que devem ter relação com as atividades desenvolvidas na empresa.

Mas seria inócuo estabelecer a obrigação de manter kit de primeiros socorros se não houver disponibilização de um profissional habilitado e treinado a prestá-los.

A obrigação de manter pessoal necessário para prestar os primeiros socorros está prevista na NR-7, item 1.21:

Portanto, mesmo que, nos termos da NR-4 a empresa esteja desobrigada de disponibilizar tal profissional, é prudente que haja ao menos um deles disponível para aplicar os primeiros socorros – já que prestar os primeiros socorros se constitui obrigação do empregador em casos de acidente, devido à responsabilidade civil que detém em relação aos trabalhadores que ali atuam.

Ademais, é importante registrar que não existe uma lei específica que obrigue as empresas a manterem um ambulatório médico interno ou mesmo uma enfermaria, exceto a NR-18 que impõe tal providência às empresas do ramo de Construção Civil que contem com equipes com número superior a 50 trabalhadores.

Porém, considerando que o empregador tem o dever constitucional (artigo 7º inciso XXII da Constituição Federal) de proporcionar um ambiente de trabalho seguro e sadio, é cada vez mais comum que as empresas disponibilizem enfermarias ou ambulatórios, visando atender às necessidades dos colaboradores – nem que seja um atendimento básico e emergencial, para posterior encaminhamento ao atendimento médico que se faça necessário.

Na jurisprudência, já há decisões sinalizando pela responsabilização do empregador que não providencia os primeiros socorros nem diligencia no sentido de evitar agravamento do problema de saúde vivenciado pelo seu colaborador. Vejamos decisão emanada do TST:

85276795 – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. Responsabilidade civil do empregador. Acidente de trajeto. Nulidade da dispensa. Estabilidade provisória. Indenização por danos morais. O regional concluiu pelo direito do reclamante ao pagamento dos salários e demais verbas decorrentes da estabilidade provisória, bem como os danos morais, porquanto o conjunto probatório demonstrou que o acidente por ele sofrido ocorreu no trajeto entre o trabalho e a residência, atraindo a incidência da regra contida nos arts. 21, IV, d, e 118 da Lei nº 8.213/91. Salientou, sobretudo, o fato de o infortúnio ter ocorrido em local que pode ser considerado uma extensão da reclamada, calçada da portaria do hospital das clínicas, em razão de obras no local, conforme extraiu da prova oral produzida, bem como a existência de culpa da empregadora no agravamento da lesão, uma vez que não diligenciou em prestar os primeiros socorros ao reclamante. Logo, diante do quadro fático (cujo teor é insuscetível de reexame nesta instância superior, nos termos da Súmula nº 126 do tst), em que ficou comprovado o acidente de trajeto equiparado a acidente de trabalho, o afastamento superior a 15 dias, a culpa, o dano e a concausa, deve ser reconhecida a estabilidade provisória acidentária, porquanto foram preenchidos os requisitos legais para sua aquisição, nos moldes do art. 118 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula nº 378 do TST, bem como os danos morais decorrentes. Dessa forma, não se vislumbra ofensa aos artigos 5º, V e X, da CF, 186 e 927 do CC, 818 da CLT e 373, I, do cpc/2015. 2. Valor arbitrado à indenização por dano moral. No que se refere ao valor arbitrado à indenização por danos morais, verifica-se da decisão consagrada no acórdão recorrido que foram devidamente observados os requisitos legais no arbitramento. Com efeito, o regional foi claro ao consignar que, no arbitramento, estava levando em consideração, não só as lesões sofridas (concausa), mas também a má conduta da reclamada (omissão de socorro, e não emissão da cat), concluindo que os valores atendiam a gravidade da conduta da reclamada e o dano imposto ao reclamante. Logo, restam intactos os artigos 944 e 945 do CC. 3. Jornada de trabalho. Horas extras. Minutos residuais. Conforme se verifica da decisão recorrida, a condenação da reclamada ao pagamento de horas extras se limitou aos minutos residuais de acordo com a jornada anotada nos cartões de ponto do reclamante, tidos por válidos, e segundo o regional, da sua análise constatou a existência de diferenças de minutos residuais registrados que não foram quitados pela reclamada. Logo, não tendo a controvérsia sido solucionada com base nas regras de distribuição do ônus da prova, mas no efetivo exame das anotações constantes dos cartões de ponto, não há falar em violação dos artigos 818 da CLT e 373, I, do cpc/15. Outrossim, para se chegar à conclusão da reclamada no sentido de que observou os minutos residuais máximo de 10 minutos diários, necessário seria o revolvimento das provas, procedimento vedado nesta esfera extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST, razão pela qual não há como divisar violação do artigo 58, § 1º, da CLT, muito menos contrariedade à Súmula nº 366 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST; AIRR 0001947-72.2014.5.03.0137; Oitava Turma; Relª Min. Dora Maria da Costa; DEJT 22/09/2017; Pág. 3108).

Nota: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009.

Em resumo, cabe o empregador proporcionar um ambiente de trabalho seguro e sadio, sendo o responsável por prestar os primeiros socorros em caso de necessidade do trabalhador.

É obrigação do empregador manter kit de primeiros socorros no estabelecimento e, a depender do grau de risco e do dimensionamento da empresa, poderá haver também a obrigação de manter profissionais de saúde e técnicos de segurança do trabalho disponíveis no ambiente.

Tendo em vista a responsabilidade civil que recai sobre o empregador, mesmo para aquelas empresas que estariam desobrigadas em função do que dispõe a NR-4, é prudente que disponibilizem ao menos um profissional treinado e habilitado para prestar primeiros socorros, de modo a eximir o empregador de culpa em caso de acidentes ou de problemas de saúde súbitos que venham a acometer os trabalhadores no ambiente de trabalho.