A necessária contratação de armazenamento de energia
A difusão dos sistemas de armazenamento é essencial para lidar com a inserção de geração não controlável/ intermitente em larga escala nos sistemas elétricos.
A evolução da matriz e o armazenamento no mundo
A matriz energética global está passando por transformações significativas, impulsionadas pela crescente preocupação com as mudanças climáticas. O processo de transição energética tem como principal objetivo mudar a característica essencial da geração de energia global – que ainda é predominante fóssil – para um padrão de baixo teor de emissão de carbono.
Nessa trajetória, vem se observando um notável crescimento da produção de energia não controlável proveniente da geração descentralizada, especialmente a partir das fontes eólicas e solares. No entanto, embora essas fontes se destaquem pelo atributo “renovável”, elas impõem desafios pela sazonalidade e intermitência.
Estima-se que, nas próximas décadas, tenhamos uma continuidade da penetração das fontes renováveis nas matrizes mundiais. Os cenários prospectivos da International Energy Agency (IEA) indicam que a adição de 1000 GW de capacidade de geração renovável até 2030 no mundo resultará na redução inevitável da geração fóssil. Contudo, essa mudança na contribuição de cada fonte de energia para atender à demanda elétrica apresenta desafios complexos para o planejamento e a operação sistêmica.
Surge assim, a necessidade de contratar projetos que forneçam potência firme aos sistemas interligados dos países, da forma como sempre atuaram as termelétricas à carvão (historicamente).
Além disso, se torna essencial adotar recursos de flexibilidade que não dependam de despacho central; daí o destaque do armazenamento de energia.
Estuda-se, pela mesma agência citada acima, que haverá um crescimento de mais de 30% da capacidade global acumulada ao ano de armazenamento estacionário de energia (em GW), com investimentos que somam cerca de US$ 106 bilhões, até 2030, em todo o mundo. Usinas hidrelétricas reversíveis (UHRs) e baterias desempenharão, nesse sentido, papel crucial, realizando o devido estoque energético para fornecê-lo quando/ conforme necessário.
Os principais atributos inerentes às tecnologias de armazenamento consistem no prestígio à flexibilidade operativa, dado que, são capazes de “absorver o excesso” de geração intermitente, deslocar a demanda de ponta e assegurar maior capacidade disponível para os operadores centrais.
A tendência também é fortalecida pela atual queda dos preços, senão vejamos:
Existem diferentes tipos de soluções de sistemas de armazenamento, que podem fornecer energia de curto prazo ou por um período mais longo. O BESS (Sistema de Armazenamento de Energia a Baterias) é atualmente a solução adotada em mais de 95% dos projetos de larga escala, dado seu rápido tempo de resposta e grande capacidade energética, predominando as soluções de baterias com íons-lítio, que apresentam menor tempo de descarga, maior eficiência e vida útil.
Com os avanços da tecnologia e ganhos de eficiência, os custos de implantação do BESS vêm caindo e acumulam 43% de redução desde 2017. Em 2022, a alta das commodities gerou, pela primeira vez, aumento nos custos. Ainda assim, é esperada a retomada nas reduções ainda no curto prazo, contribuindo para a viabilidade econômica dos projetos de armazenamento, sejam eles associados a projetos de geração ou mesmo ao grid de transmissão.
O caso brasileiro
Não obstante a evolução destes dados de maneira global, o Brasil ainda tem um ponto crítico a ser vencido. O obstáculo regulatório.
Ainda que se tenha tido o estabelecimento recente dos Leilões de Reserva de Capacidade, cunhados pela Lei nº 14.120/2021 e pelo Decreto nº 10.707/2021, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
A viabilização financeira dos recursos de armazenamento de energia requer uma regulação técnico-econômica que estabeleça um ambiente de competição amplo, favorecendo a oferta dos diversos serviços necessários em um ecossistema elétrico com alta participação de fontes renováveis variáveis. Mas que, igualmente, venha atender todo lastro de potência necessário.
Sendo assim, ressalta-se: no caso brasileiro, o maior desafio atual reside nesta anomia regulamentar. O armazenamento de energia já deveria estar contemplado como um dos serviços ancilares na legislação brasileira. E as maneiras de remunerar o “agente armazenador” também seguem carecendo de disciplinas normativas, o que trava o fomento dos investimentos necessários à implementação das tecnologias envolvidas.
Todavia, tivemos recente movimento setorial que aponta para um direcionamento regulatório: em outubro de 2023, a Agência Nacional de Energia Elétrica abriu consulta pública para discutir a regulamentação do armazenamento de energia, incluindo usinas hidrelétricas reversíveis. O documento base da discussão é uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) que apresenta alternativas de soluções para a inserção de sistemas de armazenamento no setor elétrico, como ferramenta para apoiar a transição energética sustentável.
Como salientado a princípio, a discussão sobre o tema envolve não apenas a transição para uma matriz mais limpa, mas também os desafios em relação à segurança operativa.
No momento futuro (de maior maturidade das normas atinentes no Brasil), será necessário incluir temas mais complexos, como agregadores para os vários serviços, simulações nos padrões computacionais e seus impactos, além de exploração de novos modelos de negócio que envolvem o storage.
Conclusão
Ao explorarmos fontes renováveis e tecnologias limpas, reafirmamos nosso compromisso com um futuro mais equilibrado e saudável para as gerações futuras. Cada escolha sustentável que fazemos hoje representa um passo significativo em direção ao setor elétrico desejado. Para construir um futuro energizado e erguido pelos pilares da sustentabilidade, o armazenamento desempenhará um papel fundamental na confiabilidade e resiliência dos sistemas elétricos. Por isso, ele é inexorável para a área de energia.